11/23/2011

Teatro dos Sem Sonhos



Toda a gente fala de economia, desemprego, emigração, zonas de conforto, Troika, austeridade, impostos, vida acima das possibilidades, renegociações, prazos, dívida, greve, sindicatos, orçamento, inflação, finança, PIB, bancos, subsídio de férias, salário mínimo, médio e máximo, aldrabices políticas, etc..
Antes deste governo, toda a gente falava de economia, desemprego, emigração, zonas de conforto, Troika, austeridade, impostos, vida acima das possibilidades, renegociações, prazos, dívida, greve, sindicatos, orçamento, inflação, finança, PIB, bancos, subsídio de férias, salário mínimo, médio e máximo, aldrabices políticas, etc..
Curiosamente, ninguém reclama do desmantelamento meticuloso e aparentemente inapelável de um serviço de saúde igualitário e acessível a todos os portugueses, mesmo que ganhem os relativamente abonados salários mínimos.
Ninguém parece muito preocupado com o corte de verbas para financiamento do Ensino Superior ao mesmo que aumenta imenso o financiamento das instituições privadas de ensino e se afirma, impudicamente, que só cresceremos economicamente através de mais-valias económicas resultantes do aumento da competitividade de base tecnológica das nossas empresas.
Alguém reparou que, do acordado com a troika, a Educação e a Saúde viram os cortes do financiamento públicos aumentados algumas 10 vezes? Terão reparado no facto seguinte: se, para cumprir os acordos assumidos internacionalmente, o governo português cortou 10 vezes mais na Educação e na Saúde, onde diabos terá deixado de cortar? Se repararam ninguém pareceu preocupar-se por aí além.
De igual modo, quando foi eliminado o ministério da cultura, alguém notou? Não. Queixaram-se meia dúzia de mamões que se dizem artistas e intelectuais e vivem impunemente à custa de subsídios pagos por todos através do erário público, mas esses nem contam.
Teatro? Há que deixar à iniciativa privada e à criatividade financiada pela publicidade. Note-se o brilhante trabalho de desenvolvimento das artes dramáticas em Portugal levado a cabo pela TVI e pela SIC. C’um raio, se até ganham prémios internacionais.  Deixemos o teatro para os espectáculos de fim de trimestre nas escolas, um pouco por todo o país. De qualquer modo, as escolas têm que servir para alguma coisa.
Pouca gente notou, então, quando foi anunciada a eliminação do ministério da cultura. Os que notaram – excluindo aqui os referidos mamões que se auto-intitulam artistas – acalmaram-se pois haveria uma secretaria de estado da cultura [mais ou menos a mesma coisa] à frente da qual estaria uma personalidade insuspeita em termos culturais. Do mal, o menos, pensaram.
Há coisas que, no entanto, são curiosas. Se Francisco José Viegas foi genericamente aceite, ou não muito atacado, vá, como insuspeita personalidade de cultura… ou melhor, se Francisco José Viegas é uma personalidade da cultura, como raio se pôs a jeito para fazer parte de uma fantochada de cultura em Portugal?
Talvez fosse o momento de se assumir que, não sendo uma ditadura totalitária, o estado português não tem nada que intervir na produção cultural do país. Mas se assim é, para que raio se mantém um espectro de incentivo estatal à produção cultural? E se Francisco José Viegas era aceite como sendo uma pessoa de cultura e da cultura, porque carga de água se pôs a jeito para servir [a falta de] interesses culturais governamentais?
Paradoxos? Naaaaaaaaaaaa, não engulam essa. Coincidências? Pfffffffffff, muito menos. Estranho? Siiiiimmmmmmmmmmmmmm, sem margem para dúvida! Mas, enfim, ninguém parece preocupar-se por aí além. Se calhar quem não se preocupa é que tem razão. Preocupar-nos para quê? Pensar é estar doente dos olhos, afirmava o pastor. Vejamos passar a vida e não deixemos que a vida passe por nós. No fim morremos todos. Para quê enervarmo-nos?

2 comentários:

Teté disse...

O papel miserável a que algumas pessoas se prestam, nunca deixa de me espantar. Como é que Francisco José Viegas aceitou um cargo de fantoche, num momento de crise e em que se está mesmo a ver que o governo não tem nenhum interesse na cultura, e depois acaba com as entradas grátis ao Domingo nos museus, não dá verbas suficientes para o Teatro Nacional funcionar e quando Diogo Infante se demite, põe lá um espantalho qualquer, para fingir que aquilo ainda tem pernas para andar?

Só há uma possível interpretação: Viegas bebeu muito sumo de laranja em pequenino e ficou com uma laranjite aguda para toda vida, prestando-se até a ser moço de fretes... :P

Moyle disse...

Teté,

é precisamente isso que é interessante, deprimente mas interessante. O papel a que algumas pessoas se prestam em nome sabe-se lá de quê. Notoriedade não é, porque notório, e por bons motivos, já ele era.
O Estado tem que deixar de financiar a cultura, ou começar a financiá-la em condições. Não podemos ter este meio termo que flutua consoante as conveniências do momento.
Excesso de sumo de laranja provoca também diarreia. Não será também por aí?