Isto de haver artigos indefinidos
homógrafos de numerais cardinais tem muito que se lhe diga quando se quer
começar um poste. O Moyle tinha a coisa tão bem delineada que é de ir aos
arames! E agora está numa tão grande pilha de nervos que toda a tranquilidade,
que subjaz às suas olímpicas competências de prosa, se evaporou dele como
entremeadas da secção do talho do Pingo Doce. Agora que repara nisso, uma tão
subtil passagem de tema como esta que o Moyle fez no período anterior, revela
que, talvez, nem tudo esteja perdido. Andiamo!
Nem quando meia Europa apoiava
Bartolomeu Prignano contra a outra metade que apoiava Roberto de Genebra, se
sentiu uma cisão tão profunda como a que estalou ontem, provocando réplicas que
se estenderão nos dias e semanas que virão. Pingo Doce: a favor ou contra? O
Moyle, por uma questão de princípio, entre estes dois lados cismados deveria
escolher o terceiro lado, o de Pietro Filargi da Candia. Isto só para vos
mostrar a adoração doentia deste menino, o Moyle, por maniqueísmos. Mas não!
Apesar do que disse dever fazer, o
facto é que o título (remete-nos para uma citação de Bertolt Brecht gentilmente
lembrada pela Ematejoca) e a
imagem transpiram comprometimento moylístico com uma opinião. E a opinião
do Moyle é considerar abjecto o aproveitamento que a cadeia Pingo Doce fez do
facto de a maior parte das pessoas em Portugal ainda não trabalhar num dia que
lhes é dedicado. Ou seja, basicamente, tratou-se de uma reles e vil manipulação
do desespero das pessoas, acenando-lhes com rotundos descontos!
Para além disso, foi um golpe
comercial duplamente abjecto por obrigar (e a treta de que cada não é
obrigado não cola aqui, porque só os tribunais é que não conseguem – felizmente
– obrigar ninguém a trabalhar, já que os patrões, a miséria e a ignorância
conseguem facilmente)
os seus funcionários a trabalhar redobradamente num dos únicos 3 dias em que
esta cadeia de supermercados fechava por ano e precisamente naquele que lhes
era dedicado enquanto trabalhadores. O que significa que a questão do excesso
de feriados se impunha muito veementemente na produtividade desta cadeia de
retalhistas. Três dias por ano? Pouca vergonha de calões!
Os tempos mudam, é certo, e talvez
o 1º de Maio seja já uma celebração desajustada nos nossos dias:
- É uma
celebração elitista, reservada a uma mão cheia de privilegiados, como os
números de desemprego mostram!
- Não se
justifica comemorar a luta dos trabalhadores por direitos, se não há
trabalhadores!
- A jornada
de oito horas diárias, motivo das manifestações operárias em Chicago, é uma
ficção! Tomaria um part-time e receber metade em gasolina!
- Honrar as
memórias dos que quinaram exigindo a dignidade devida a seres humanos não colhe
porque para isso já há o 1 de Novembro.
- Ficar um
dia sem trabalhar é uma afronta ao Todo-Poderoso [mercado] e à Santíssima
Troika!
Mas nisto das cisões há, no
entanto, uma constante. Natural e previsivelmente, serão lançados na conversa
casos isolados - que como é sabido ajudam muito a clarificar o assunto e a ir
ao fundo das coisas - em que alguém gastou 500€, outro 600€, outro 700€, ou
ainda mais. Daqui poder-se-á, num silogismo inatacável, concluir que as
gigantescas filas, de milhares de pessoas, que se amontoaram por todo o país à
porta destas superfícies, eram compostas por nababos opulentos. Na realidade, é
uma argumentação que peca por ridícula e espúria pois não leva em linha de
consideração todos os que tinham apenas 50€ no bolso e aproveitaram para fazer
compras para dois meses inteiros.
Em vez de milionários
repentinamente assomados de uma sovinice somítica e que decidiram abdicar do
seu tempo livre para o perderem em filas, o Moyle opõe uma classe média que,
verdadeiramente, passa fome. Acham que é exagero? Talvez seja, mas
antecipando-as o Moyle opõe às demagogias a kriptonite destas: outras
demagogias!
Todo este episódio foi lamentável
por se aproveitar despudoradamente da fragilidade dos portugueses –
consumidores e trabalhadores destas lojas; pelo desrespeito pela dignidade de
uma celebração tão importante como o 1º de Maio; por uma concorrência que mais
à frente veremos se é desleal; por ser uma tentativa desesperada de
contrabalançar a publicidade negativa da migração da sede empresarial para a
Holanda; finalmente, e para o coup de
force demagógico, se o Pingo Doce consegue praticar preços 50% mais baixos,
por que razão não o faz sempre?
Na realidade é lamentável que Erst kommt die fressen, dann kommt die Moral!,
mas, nos dias que correm, este aforismo que poderia constituir-se como uma crua
ironia sobre o comportamento humano, perde o seu carácter irónico pois garantir
o forro abdominal não é pormenor e não é propriamente uma ironia.
6 comentários:
Nem mais, Moyle. Há níveis de imoralidade que são inadmissíveis.
Muito bem dito e 100% de acordo! E sim, os tais "pobres" coitados afinal ainda tinham uns "trocos" para encher a despensa para os próximos meses! Ou será que guardam o dinheiro no colchão para eventualidades (e promoções) destas?! Mistério... ;)
ótimo blog, parabéns...
Vic,
não prática não são inadmissíveis, mas concordo que deviam ser.
Teté,
esses «coitados» acabaram por ser muito úteis por mascararem os que verdadeiramente necessitavam de um corte tão acentuado nos preços. Algum dinheiro ainda vai havendo, mas duvido que tenha sido tão pouco como agora nas últimas (largas) décadas.
Trufas,
muito obrigado
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