5/03/2012

Erst kommt das Fressen, dann kommt die Moral!



Primeiro um de Maio sui generis. Um primeiro de Maio sui generis. 
Isto de haver artigos indefinidos homógrafos de numerais cardinais tem muito que se lhe diga quando se quer começar um poste. O Moyle tinha a coisa tão bem delineada que é de ir aos arames! E agora está numa tão grande pilha de nervos que toda a tranquilidade, que subjaz às suas olímpicas competências de prosa, se evaporou dele como entremeadas da secção do talho do Pingo Doce. Agora que repara nisso, uma tão subtil passagem de tema como esta que o Moyle fez no período anterior, revela que, talvez, nem tudo esteja perdido. Andiamo!
Nem quando meia Europa apoiava Bartolomeu Prignano contra a outra metade que apoiava Roberto de Genebra, se sentiu uma cisão tão profunda como a que estalou ontem, provocando réplicas que se estenderão nos dias e semanas que virão. Pingo Doce: a favor ou contra? O Moyle, por uma questão de princípio, entre estes dois lados cismados deveria escolher o terceiro lado, o de Pietro Filargi da Candia. Isto só para vos mostrar a adoração doentia deste menino, o Moyle, por maniqueísmos. Mas não!
Apesar do que disse dever fazer, o facto é que o título (remete-nos para uma citação de Bertolt Brecht gentilmente lembrada pela Ematejoca) e a imagem  transpiram comprometimento moylístico com uma opinião. E a opinião do Moyle é considerar abjecto o aproveitamento que a cadeia Pingo Doce fez do facto de a maior parte das pessoas em Portugal ainda não trabalhar num dia que lhes é dedicado. Ou seja, basicamente, tratou-se de uma reles e vil manipulação do desespero das pessoas, acenando-lhes com rotundos descontos!
Para além disso, foi um golpe comercial duplamente abjecto por obrigar (e a treta de que cada não é obrigado não cola aqui, porque só os tribunais é que não conseguem – felizmente – obrigar ninguém a trabalhar, já que os patrões, a miséria e a ignorância conseguem facilmente) os seus funcionários a trabalhar redobradamente num dos únicos 3 dias em que esta cadeia de supermercados fechava por ano e precisamente naquele que lhes era dedicado enquanto trabalhadores. O que significa que a questão do excesso de feriados se impunha muito veementemente na produtividade desta cadeia de retalhistas. Três dias por ano? Pouca vergonha de calões!
Os tempos mudam, é certo, e talvez o 1º de Maio seja já uma celebração desajustada nos nossos dias:
- É uma celebração elitista, reservada a uma mão cheia de privilegiados, como os números de desemprego mostram!
- Não se justifica comemorar a luta dos trabalhadores por direitos, se não há trabalhadores!
- A jornada de oito horas diárias, motivo das manifestações operárias em Chicago, é uma ficção! Tomaria um part-time e receber metade em gasolina!
- Honrar as memórias dos que quinaram exigindo a dignidade devida a seres humanos não colhe porque para isso já há o 1 de Novembro.
- Ficar um dia sem trabalhar é uma afronta ao Todo-Poderoso [mercado] e à Santíssima Troika!
Mas nisto das cisões há, no entanto, uma constante. Natural e previsivelmente, serão lançados na conversa casos isolados - que como é sabido ajudam muito a clarificar o assunto e a ir ao fundo das coisas - em que alguém gastou 500€, outro 600€, outro 700€, ou ainda mais. Daqui poder-se-á, num silogismo inatacável, concluir que as gigantescas filas, de milhares de pessoas, que se amontoaram por todo o país à porta destas superfícies, eram compostas por nababos opulentos. Na realidade, é uma argumentação que peca por ridícula e espúria pois não leva em linha de consideração todos os que tinham apenas 50€ no bolso e aproveitaram para fazer compras para dois meses inteiros.
Em vez de milionários repentinamente assomados de uma sovinice somítica e que decidiram abdicar do seu tempo livre para o perderem em filas, o Moyle opõe uma classe média que, verdadeiramente, passa fome. Acham que é exagero? Talvez seja, mas antecipando-as o Moyle opõe às demagogias a kriptonite destas: outras demagogias!
Todo este episódio foi lamentável por se aproveitar despudoradamente da fragilidade dos portugueses – consumidores e trabalhadores destas lojas; pelo desrespeito pela dignidade de uma celebração tão importante como o 1º de Maio; por uma concorrência que mais à frente veremos se é desleal; por ser uma tentativa desesperada de contrabalançar a publicidade negativa da migração da sede empresarial para a Holanda; finalmente, e para o coup de force demagógico, se o Pingo Doce consegue praticar preços 50% mais baixos, por que razão não o faz sempre?
Na realidade é lamentável que Erst kommt die fressen, dann kommt die Moral!, mas, nos dias que correm, este aforismo que poderia constituir-se como uma crua ironia sobre o comportamento humano, perde o seu carácter irónico pois garantir o forro abdominal não é pormenor e não é propriamente uma ironia.

6 comentários:

Vic disse...

Nem mais, Moyle. Há níveis de imoralidade que são inadmissíveis.

Teté disse...

Muito bem dito e 100% de acordo! E sim, os tais "pobres" coitados afinal ainda tinham uns "trocos" para encher a despensa para os próximos meses! Ou será que guardam o dinheiro no colchão para eventualidades (e promoções) destas?! Mistério... ;)

Trufas disse...

ótimo blog, parabéns...

Moyle disse...

Vic,

não prática não são inadmissíveis, mas concordo que deviam ser.

Moyle disse...

Teté,

esses «coitados» acabaram por ser muito úteis por mascararem os que verdadeiramente necessitavam de um corte tão acentuado nos preços. Algum dinheiro ainda vai havendo, mas duvido que tenha sido tão pouco como agora nas últimas (largas) décadas.

Moyle disse...

Trufas,

muito obrigado