Portugal é o
palco de um conflito insanável, brutal, doloroso. Dois opositores brutais,
cruéis, monstruosos, bestiais, digladiam-se nesta arena ajardinada à beira mal
plantada. O sangue corre em golfadas oceânicas, encarnadas torrentes de horror.
Horror tão inefável e horrendo como a quantidade de advérbios de modo que o
Moyle usará desnecessariamente neste post.
Bom, mas o
Moyle estava a brincar. De certa forma, estava a iludir os caríssimos leitores
de maneira a que estes pensassem que iam embarcar numa qualquer épica aventura.
Mea culpa, assume o Moyle
contritamente. Como punição, o Moyle aceita que cortem as unhas dos pés
enquanto lerem estas tretas, ou muito prosaicamente levem o portátil para o
w.c., no caso terem ficado mesmo muito ofendidos com a brincadeirinha insolente
do primeiro parágrafo.
O Moyle estava
a enveredar no parágrafo inicial por uma visão tremendista de um facto natural,
tão natural como a vontade mictar quando se visita uma catarata. Quer dizer,
uma catarata mas daquelas em que há muita água e barulho e spray e ficamos com
a fronha toda encharcada e tal. Esta clarificação torna-se necessária porque
parece que há outras cataratas em que, em vez de ficarmos com o trombil
encharcado e os óculos a precisar de limpa pára-brisas, ficamos com os olhos
cheios de leite e não vemos absolutamente nadinha. Enfim, mas divagamos
bizarramente…
O conflito que
se vive em Portugal é um conflito natural pela sobrevivência e só nesse aspecto
é especificamente brutal. Quer dizer, tão brutal como só a Natureza,
naturalmente, consegue ser. Maniqueistamente, reduzamos este choque brutal a
dois contendores.
De um lado
temos a classe trabalhadora, espécie geralmente menor em termos de qualidades
intrínsecas mas mais numerosa em termos do número de efectivos que compõem a
sua população. Têm um quadro comportamental efectivamente típico de presas e
comportam-se, normalmente, como bovinos.
Do outro lado,
temos a classe patronal. Um número de espécimes obviamente mais pequeno, mas
tipicamente predadores. Mais subtis, mais agressivos, mais inteligentes, de uma
rapacidade voraz, alimentam-se alarvemente de trabalhadores. Normalmente
organizam-se em aglomerações, a que a biologia apelida por “empresas”. E aqui notamos
uma particularidade evolutiva porque, ao contrário de muitos outros predadores,
este não são gregários, nem trabalham em equipa, mas reúnem-se e congregam-se
temporariamente de forma a articular as razias junto da bovina classe
trabalhadora.
No actual
contexto de transformação do biótipo, ambas os contendores lutam arduamente até
à morte pela própria sobrevivência.
Eis-nos
portanto num ponto em que precisamos de ferramentas epistemológicas que nos
permitam compreender e explicar racionalmente este mundo cão em que vivemos
actualmente. Como reduzimos a nossa sociedade a dois irredutíveis grupos de
animais, os que comem e os que são comidos, talvez seja avisado recorrermos,
facciosamente, simploriamente, incoerentemente e de forma falaciosa intelectualmente,
a teorias biologistas.
Consideremos,
de uma perspectiva lamarckista, a classe das presas, isto é os trabalhadores.
Vejamos a primeira lei de Lamarck, a de uso e desuso dos órgãos. Os animais da
classe trabalhadora deixaram, há já algum tempo, de usar os órgãos que tinham antigamente
ao seu dispor para afrontar os ataques dos predadores patronais. Segundo
Lamarck, tal significa que tais órgãos definham, atrofiam, até que perdem
qualquer utilidade e finalmente desaparecem. Ora, como o meio ambiente hostil
da democracia actual não incentiva grandemente ao uso dos órgãos de autodefesa
dos animais trabalhadores, estes têm tendido ao descrito estiolamento.
Saltemos para
a segunda lei de Lamarck, a lei dos caracteres adquiridos. De acordo com esta
lei - precisamente aquela que ditou o desprestígio de Lamarck perante o triunfo
da selecção natural darwinista - as alterações sofridas pelos organismos ao
longo da vida são transferidas geneticamente para a sua descendência. Aplicando-a
empiricamente às bestas em análise temos que as constantes amputações de direitos
e de dignidade social dos trabalhadores tendem a ser passadas por estes aos
descendentes. Estes desenvolvem-se sem direitos e dignidade e, na realidade,
não lhes fazem aparentemente falta nenhuma. De certa forma era como virmos
agora lamentar termos nascido sem escamas dorsais salientes. Além de não
fazerem sentido em nós, mamíferos, faria com que dificilmente usássemos mochilas
e aí vinha a ruína dos parques de campismo (e sim, é só para isso que verdadeiramente
servem as costas e as mochilas).
De um ponto de
vista darwiniano, a sobrevivência das espécies pressupõe que estas sejam
capazes de, no seu interior, gerar alguma diversidade genética que, mais tardiamente,
será o ponto de partida da selecção natural pelo meio social, em termos de
evolução. Concretizando, o meio social dominado por predadores empresariais
favoreceu a sobrevivência [selecção
natural] dos espécimes da classe trabalhadora mais dóceis, com maior
tolerância à dor no dobrar da cerviz, menos críticos e mais dormentes, mais
eficientes em termos energéticos - capazes de comer menos e de, mesmo assim,
debitarem continuamente energia laboral [variação],
que naturalmente passam estas características às gerações seguintes [hereditariedade], num esforço, sempre
incentivado pelo meio, de prolongamento do servilismo da espécie.
Tem havido, ao
longo das décadas que entremeiam o desenvolvimento destas teorias e a
actualidade, um aproveitamento do discurso conceptual e corpus metodológico das
ciências naturais para operacionalizar uma renovação das ciências sociais.
Desesperadamente, estas ansiavam pela legitimidade intelectual que a postura
mentalmente cientifista de Oitocentos atribuía apenas à aquisição que fosse mensurável
da realidade e uma construção racionalista do conhecimento.
Desenvolveram-se
visões de darwinismo social que pretendiam explicar a Sociedade e resolver
problemas sociais através da aplicação da selecção natural aos grupos humanos. Contextualmente
aqui se insere a afirmação de um dos elementos destacados da rapace classe
patronal de que apenas
os mais fortes sobreviverão depois desta crise.
Embora a 2ª
lei de Lamarck não tenha sido viável cientificamente, sobrepujada pelo vigor
explicativo da selecção natural darwinista, o lamarckismo não perde
completamente a sua força. Na realidade, a lei do uso e do desuso dos órgãos
(1ª lei) não é desprovida de qualidades, mesmo em socialmente. A falta de uso
dos órgãos de protecção dos trabalhadores apesar de ter vindo a provocar a
atrofia e estiolamento dos mesmos, ainda não significou o seu completo
desaparecimento. É que se, por um lado, o desuso destes órgãos provoca o seu
definhamento, por outro lado, é precisamente a inverificabilidade da 2ª lei que
nos deve dar o alento a esperarmos melhorias das gerações vindouras.
Na realidade,
os caracteres adquiridos – leia-se a bovinidade social e política da espécie
trabalhadora – não se transmitem geneticamente – leia-se socialmente – às
gerações descendentes. Daí advém, precisamente, que algum definhamento desses
órgãos numa geração não significa o completo desprovimento dos mesmos por parte
das gerações seguintes. Embora por questões de conforto e manutenção de status quo os predadores sempre tenham
considerado as presas lamarckicamente, lembra o Moyle que essa consideração não
é cientificamente válida e que, numa visão darwinistamente amigável,
arriscam-se os predadores empresariais a serem brutalmente violados pelas
presas trabalhadoras. Mas isto socialmente e economicamente, claramente.
3 comentários:
Isto de maniqueísmos é no que dá: nem todos os trabalhadores são bovinos, nem todos os patrões são mais espertos e inteligentes do que o "gado" às suas ordens...
Aliás, a diferença entre uns e outros é ténue e deriva mais de conjunturas externas às suas próprias pessoas, do que da personalidade e sapiência de cada um!
Xi, pá, nem cortei as unhas dos pés! Qué verguenza! :)))
Teté,
temos que gostar dos maniqueísmos, não temos? :P
(Moyle)
Veja esta matéria a respeito, muito interesante...
http://teorizando-tudo.blogspot.com.br/2012/08/evidencias-de-criacao.html
Evidencia de Criação. Deixei seu comentário após assistir, obrigado!
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