6/14/2008

10 Perguntas a Santo António

O Alto, o Forte e o Moyle (AFM) – Desde já o nosso muito sincero agradecimento por ter aceite este nosso convite para uma entrevista, até porque soubemos que tem uma agenda bastante complicada.

Santo António (SA) – Não agradeçam. Sou eu que agradeço por se terem lembrado de mim nesta vossa incursão no mundo do divino. Embora não saiba se serei o mais indicado para vos esclarecer nas vossas dúvidas, estou aqui para dar o meu melhor.

AFM – Santo António, diga-nos...

SA – Não, não. Nada disso. Toni, chamem-me Toni.

AFM – Ah, com certeza. Mas já agora, não gosta de ser santo?

SA – Sinceramente não me importo de ser santo, isto é, não é mau e tem mesmo muitas coisas positivas. Eu peço-vos que me tratem por Toni por dois motivos. Por um lado o meu nome artístico já me cansa um bocadinho, parecendo que não já lá vão 777 anos sempre em “power play”, que é como quem diz, a “bombar”. Por outro lado, neste ambiente de maior descontracção, não há motivo para reverências.

AFM – Muito agradecidos pela honra desta intimidade. Diga-nos lá Toni, por que razão escolheu Santo António para nome artístico, isto é, qual era a sua especialidade como milagreiro?

SA – Eh pá, eu nunca foi muito do género milagreiro, embora circule por aí muita treta que me vai sendo atribuída. O que me vale é que ando no ginásio já há uns aninhos largos (risos) e tenho costas largas, se é que estão a apanhar o que eu estou a deixar cair (piscar de olho cúmplice).

AFM – Então, vai perdoar-nos a nossa ignorância, mas na Idade Média havia ginásios?

SA – Haver não havia, fui eu que os inventei. Os lavradores andavam em forma, até pelo que faziam, mas eu, como não tinha aquela profissão, senti necessidade de desenvolver uma forma de manter a forma física, até porque a contemplação, o trabalho intelectual, estava deixar-me flácido e a prejudicar a minha performance a nível sexual. O que me leva à vossa questão anterior. Eu fiquei famoso não foi por ser milagreiro mas sim por fazer maravilhas, na cama bem entendido. Eu era um autêntico atleta sexual. Filhas da aristocracia, burguesinhas, camponesas, mendigas, limpava tudo o que mexia, sem pejos nem complexos. Era um fartote (largo sorriso e olhos sonhadores)!

AFM – Estamos perfeitamente estupefactos. Nunca imaginámos que fossem esses os méritos que lhe valeram a fama e o reconhecimento. Sempre pensámos, aliás cremos que maioria assim pensa, que o Santo António tinha ascendido à santidade por ser uma boa pessoa, um emérito estudioso das Sagradas Escrituras, um brilhante seguidor de S. Francisco, o protector das jovens casadoiras. Ainda estupefactos, temos que perguntar, qual a razão desta discrepância?

SA – A questão resume-se ao marketing. Como a Igreja estava a passar uma fase transição e de escolha de modelos de gestão – tinha havido uns excessos da gestão anterior e a credibilidade da instituição estava um bocado por baixo e já se sabe que a oposição sai logo de todo o lado para aproveitar os despojos – os meus consultores de imagem decidiram desenvolver esta, que toda a gente conhece. Embora eu esteja um pouco cansado dela, devo reconhecer que foi devido a esta estratégia brilhante que ganhei, e mantenho, uma fama enorme. Mas atenção que nem tudo é artificial, a questão de protector das moças tem tudo a ver com o que vos contei antes. Eu sempre fui uma alma caridosa e deitava a mão a quem não tinha ponta por onde se lhe pegasse. Aquelas moças que eram autênticos canhões, feias todos os dias, com os dentes pobres, eu não as desprezava. Marchavam na mesma, como se diz hoje. E a coisa resultava para elas, que pareciam logo outras. A maioria, senão mesmo todas, depois de me passarem pelas mãos – que é como quem diz (sorriso “malandro”) – arranjaram todas casório. Era o meu prestígio ao serviço do Bem e daí veio a fama que ainda mantenho de casamenteiro.

AFM – Mas mantém-se uma ideia, ainda hoje, de que a Idade Média era uma época de forte retracção na relação das pessoas com o seu próprio corpo, de fortes inibições ditadas pela Igreja e por um entendimento da religião e do mundo muito fechados e conservadores. Partindo do que nos conta, vê-se uma realidade completamente diferente. O que nos pode adiantar sobre isto?

SA – Voltamos um pouco ao mesmo. Uma coisa é aquilo que se pensa e outra o que se passou e o funcionamento das coisas na realidade. Quando dizem que aquela altura é uma altura de limitação das pulsões sexuais é uma completa e absurda treta. Quem é que acham que inventou o “direito de pernada”, ou de “Ius primae noctis” se quiserem?

AFM – Mas consta-se que seria um mito propagado pelos iluministas para denegrir a Idade Média.

SA – Os iluministas realmente podem falar muito, ou não fosse o grande maluco do Alphonse [trata-se aqui do marquês de Sade] um iluminista convicto e assumido. Hoje quando se fala em “swing”, ou em “ménages a trois” está-se a recuperar o conceito de “pernada” que eu criei e foi amplamente divulgado e praticado pela Cristandade. É que não tinha mesmo nada a ver com violação das servas pelos senhores de terras, etc. Imaginem um casal que pedia a alguém para alinhar com eles num festarola a três. Ora, o favor tinha que ser retribuído em qualquer circunstância, mais tarde, e daí vinha a expressão “Direito de”, isto é, o direito de ver retribuída a participação na tal festarola. Já a expressão em latim, é mais incorrecta pois refere-se apenas aos primeiros tempos quando ainda estava a organizar o esquema todo, pois nesses primeiros tempos, estas festarolas, só podiam ocorrer no primeiro dia de cada mês, para não prejudicar a vida profissional das pessoas. Depois de tanto trabalho não tenho o mérito devido, apesar de me terem canonizado. Mas já é normal os outros ficarem com os créditos do meu trabalho.

AFM – Sente-se injustiçado de alguma maneira?

SA – Eu, por personalidade, nunca fui muito de queixumes e maledicência. Porém, parece-me justo referir que o meu próprio reino… agora diz-se país, mas a história é a mesma. Como eu dizia, o meu próprio país desprezou-me. Vejam bem! Nasci em Lisboa, fiz os meus estudos em Coimbra mas foi só no estrangeiro que fui reconhecido nas minhas capacidades. Hoje, inclusivamente, sou padroeiro de Pádua. Quem é padroeiro de Lisboa? S. Vicente, que veio num barco guiado por dois corvos! Já viram o descaramento? Já ouviram alguma treta maior que esta? È claro que por vezes me revolto, mas tudo passa e eu continuo a gostar muito da minha terra.

AFM – Voltando um pouco atrás. Não nota uma incongruência entre a expressão Cristandade e as práticas de sexo livre que nos contou?

SA – Não, claro que não. Vocês têm a cabecinha tão cheia de preconceitos contra a medievalidade que vos custa a aceitar a realidade. O grande ícon de religiosidade medieval é o Papa. Ninguém, hoje, imagina o que era a Cúria papal e o Vaticano. Era um cheiro a excreções glandulares que não vos passa pela cabeça. Aquilo que se conta das orgias romanas, além de ser treta, pois tenho falado com outros colegas santos da época e não era nada assim, passava-se no meu tempo a uma escala ainda mais gigantesca do que se conta por aí. Atenção que não estou a dizer que era mau. Vejamos. Pelas vossas caras de espanto, acho que estão a perder aqui o quadro geral. O que Deus quer é fácil de perceber. Deus é um gajo solitário, muito ligado à rotina e frequentemente sente-se sozinho então o que ele quer é companhia, muitas almas para encher os salões lá de cima. Aquilo é mesmo enorme e torna-se um bocado aborrecido com o passar dos séculos. Mas vocês já sabem disso, já falaram com Ele.

AFM – É bem verdade. De facto, foi a ideia com que ficámos foi a de alguém bastante solitário, preso à rotina. Mudando de assunto. Que motivo o levou a escolher a Itália?

SA – Para dizer a verdade, não vai ser grande mudança de assunto. Eu explico. Quando estava a estudar em Coimbra, apareceram aí uns italianos que iam ao engate para Marrocos, que havia um gajo que se chamava Miramolim que as abarbatava todas e coisas do género. Diziam que as gajas eram boas e estavam fartos das italianas, que só queriam era ministros franceses e tal… O que me encantou foram as histórias que me contaram das italianas e como Coimbra era uma cidade pequena, e eu já tinha corrido o mulherio todo pelo menos duas vezes, decidi que o meu futuro era em Itália. Pelo sim pelo não, também aprendi francês e ter ido para Itália acabou por ser um golpe de sorte, porque só não fui com aqueles malucos para Marrocos porque nunca soube nadar e era preciso ir de barco ainda um bocado. E foi em Pádua que me estabeleci, porque era lá que precisavam de uma pessoa como eu. A proporção de mulheres para cada homem era mesmo à minha medida.

AFM – Então não foi para Itália para seguir o “chamamento” de Francisco de Assis?

SA – Bem, na realidade eu já ouvia histórias por aqui de que era alguém muito à frente, um vanguardista, cujas pesquisas em termos de posições sexuais só se comparariam ao que mais tarde se soube que existia já no Oriente. Ele e a Clara eram autênticos coelhos, dia e noite, dia e noite naquilo. É claro que esse tipo de investigação era exactamente o meu campo de preferência, embora eu achasse que o “Quico” não estava a levar as suas próprias investigações suficientemente longe. Os dois foram, não diria pioneiros, mas grandes inovadores, contudo eram apenas os dois, os benefícios estavam reservados àquele par. Eu queria, obviamente fazer uma coisa em grande, alargar o sexo livre a uma experiência de massas, o que acabei por conseguir por toda a Europa, onde ensinei e pratiquei os meus ensinamentos. Mas pode dizer-se que o Quico me marcou bastante, embora não o conhecesse pessoalmente. Acho que o vi uma vez ou outra, de longe, quando andava pelos palheiros a catequizar as filhas e as mulheres dos lavradores. Mas foi depois das minhas, chamemos-lhes pesquisas, que foi criada a Ordem Terceira, ou seja, um grupo de pessoas sem medo de experimentar a “3ª Via”, em termos de sexo claro.

AFM – Vai já longo o tempo e extensa a nossa conversa, portanto queremos colocar uma questão final. Que conselho daria ao actual papa, Bento XVI?

SA – Bom, eu é que tenho que agradecer, até porque, já soube, embora seja considerado um santo popular as oportunidades para regressar têm sido muito poucas. Mas não vamos estar a chover no molhado e devo confessar que gostei muito deste bocadinho que passámos. Quanto à vossa última questão, devo estabelecer aqui um ponto apriorístico. Eu não sou uma pessoa preconceituosa, muito pelo contrário. Quem me conhece sabe bem que sempre me bati pela tolerância, pela igualdade, a paz na humanidade e a troca de fluidos como a forma ideal de chegar a Deus e selar esse pacto entre os Homens. Toda esta introdução para dizer o quê? Embora eu ache um bocado nojento e inútil, não tenho nada contra as escolhas individuais, mas acho que cada um deve assumir o que é e o que sente. Portanto, para Bento XVI, que ainda por cima é de uma terra de que eu gosto muito, com umas mulheres lindas e muito boas e “dadas” (piscando o olho de forma matreira), o meu conselho é que está na altura de sair do armário [S.A. pediu-nos para não escrevermos esta expressão com aspas].

AFM – Muito agradecidos estamos pela presença, simpatia, experiência e sapiência que aceitou generosamente partilhar connosco e com os nossos leitores e até uma próxima oportunidade.

SA – Ora essa, o prazer foi todo meu e, novamente, o meu muito sincero agradecimento por esta oportunidade.

15 comentários:

Jiminy_Cricket disse...

Oi Moyle,

Adorei a entrevista com o Toni. Não conhecia este lado dele, tão, tão... tão!

E afinal ninguem o comeu, ele é que petiscava umas coisas.

Mas adorei verificar que o Toni é um moçoilo solto, comunicativo e bem dispostinho ;)

Ahhh e inventou tanta coisa gira. Por falar nisso a maioria dos lisboetas devia de ir cavar batatas para manter o físico, não? era só uma ideia!

beijos



beijos

Jiminy_Cricket disse...

tanto beijos (até me baralhei)

Moyle disse...

esses beijos todos já são influências do Sto António. o que quer dizer que és uma pessoa extremamente católica:)

Sorrisos em Alta disse...

Afinal, o Tony de Pádua tem cabecinha!

E eu que pensava que era tipo marialva, que só queria saltar à fogueira e cantar em rimas, com sangria e sardinha a acompanhar...

Ah, ganda Tony!

Moyle disse...

sorrisos,

o toni acha mais piada à febra do que à sardinha. e ainda há quem diga que a religião não tem interesse nenhum....

Anónimo disse...

Hum... alguma coisa aqui não bate certo porque as vozes dos santos que eu já ouvi faziam sempre eco - tipo "Clara-ara-ara, quero falar contigo-tigo-igo-igo" - e a deste não faz...

Moyle disse...

clara,

muitos parabéns por ser a primeira leitora a notar essa discrepância entre a oralidade e a escrita. mas assim como os jornais, simpaticamente, disfarçam as aberrações sintácticas de muitos dos entrevistados, o Moyle achou, por bem, facilitar a vida aos seus leitores.
ainda assim, não deixa de impressionar essa atenção ao pormenor.

Anónimo disse...

Eu sou impressionante, já devias saber... E um pouquinho imodesta, coisa de nada.

Moyle disse...

clara,

pior que imodéstia é a falsa modéstia, portanto não estás nada mal :)

Teté disse...

Ah, ganda texto! De tamanho, de conteúdo e de criatividade... que em alguns aspectos não andará longe da verdade! Pelo menos, no que se refere à higiene na Idade Média...

Mas este Toni era realmente um valente reinadio (sabes, acredito em tudo o que me dizem), um verdadeiro macho latino! E um compincha, também, em dar aí uma entrevista ao AFM, sem pedir contrapartidas (de maior, para além de divulgar a sua fama)!

E nem se sentiu avacalhado com a cara de sardinha, mesmo caindo mais para o lado da febra... :D

Jinhos!

Moyle disse...

teté,

sabes que o Moyle tem muitos contactos e estas coisas acontecem com naturalidade :)

a ideia da sardinha até foi dele acreditas? claro que acreditas porque "sabes, acredito em tudo o que me dizem".

:)

Jiminy_Cricket disse...

Oi Moyle,

A malta é muito católica, reza de manhã, á tarde e a nôte (sempre que me deixam, claro) ;)

beijos

Moyle disse...

jimini,

então parabéns, tens o céu garantido.
o Moyle não reza por dois motivos:

1 - ia rezar a quem? a si próprio? era estúpido.

2 - é um bocado chato prós joelhos.

Jiminy_Cricket disse...

Oh Moyle,

nem so de joelhos se reza... ;)

Moyle disse...

jimini,

e o Moyle que deixou de rezar por causa disso. pronto, tenho o inferno garantido por uma palermice. é típico.