3/26/2012

Daemonarch


Não bastava o futebol português ser um saco de gatos, um ninho de cobras, um enxame de vespas e toda uma panóplia de potencial alegórico extraída do mundo animal, não bastava estarmos, por esse lado, entregues à bicharada, como ainda temos, para cúmulo dos cúmulos, uma guerra religiosa no desporto rei nacional entre mãos.
Pesquisemos o infinito e comecemos pelo fim. O coro de críticas à instrução nacional não permite um momento de descanso a quem dedica a sua alma e o seu sangue à res publica, que é educar as gerações vindouras. Uma nobre docente da Ericeira achou, muito justamente, que a tecnocratização do Ensino é uma opção estratégica errada para o país. Considerou, muito argutamente, que a Instrução, em Portugal, sofre de excesso de funcionalização dos saberes transmitidos e construídos pedagogicamente e de severo défice de transmissão de valores e de educação para o exercício da função cívica. Vai daí, a pobre gentil alma docente decidiu adoptar uma cantilena infantil carregadinha de subliminares apelos à desumanidade contra animais e dotá-la de um mais profundo sentido cívico, trocando um pequeno verso por um pedagógico «viva o Benfica», num iluminado momento de didáctica.
Poder-se-ia perguntar que tem isto de importante, pois até aqui tudo parece cair dentro da normalidade excepto no facto de termos algo a louvar à profissão docente. Ora, o pai da criança não concordou com a estratégia pedagógica da heroína educadora a quem competia zelar pela boa formação da sua progenitura. Bem, até aqui nada fora do ordinário, novamente.
O interesse em redor de toda esta questão está no facto de a sociedade anónima que gere as actividades do ftólcuporto ter emitido uma comunicação a instar o Ministério da Educação a pronunciar-se sobre o «fascismo do gosto» em certas zonas do país. Estranho, uma empresa de futebol estar preocupada com os destinos da Educação em Portugal mas, apesar de estranho, isso até poderia significar uma mudança cultural e civilizacional de que estamos bem precisados. Mas não! Além da recorrente acusação de fascismo, por tudo e por nada, que tende, por repetição ad nauseam, a esvaziar de significado a expressão 'fascismo' e tudo o que ela encerra e verdadeiramente significa, surge a pérola que descreve a professora como uma "ayatollah" do gosto, usando-se da sua posição para uma espécie de «proselitismo nas escolas públicas».
Tudo isto é muito interessante mas há aqui qualquer coisa que cheira tão bem como um "cesto de fruta" depois de passar pelo apartamento de um árbitro e não é o trocadilho idiota entre ayatollahs e mouros, porque qualquer ignorante sabe que os ayatollahs são muçulmanos, sim, mas árabes e, sobretudo, persas (onde o xiismo é mais fortemente implantado) e não magrebinos/mouros (regiões de esmagadora preponderância sunita). Os motivos de queixa do Encarregado de Educação percebem-se. O Ensino é público pelo que o mínimo denominador comum deve ser respeitado e não extrapolado e algumas questões devem ser impostas no remanso do lar e não fora dele. É neste comunicado que reside o fulcro da estranheza.
A preocupação com as questões escolares é muito interessante mas o Moyle não percebe porque não constam dessa preocupação os números alarmantes de violência escolar no Grande Porto. Ou quanto a fascismos de gosto, porque motivo os adeptos de outra agremiação desportiva que não o ftólcuporto é que têm direitos de cidadania na praça dos Aliados, na cidade do Porto. Ou a razão pela qual só de há vinte anos para cá é que se ouve gritar recorrentemente que há quem queira Lisboa a arder.
Esta vontade de ver arder Lisboa remete-nos naturalmente à religião, aos ardentes poços infernais, aos lagos de fogo, aos monstruosos autos de fé seiscentistas e ao fanatismo proselitista católico. Não é o chefe vitalício da empresa que gere o ftólcuporto conhecido precisamente por "O Papa"? Isto leva-nos a considerar a questão por outro prisma. Não estará o Papa da Foz do Douro atrasado no século em que vive? É que o Papa actual, aquele a sério, anda humildemente a exortar à união das religiões contra o terrorismo, mas o Papa de Miragaia declara guerra aos Ayatollahs terroristas da clubite. O Sumo Pontífice de Massarelos está tão cheio dele mesmo que vai mais longe que os exército de Israel e EUA juntos.
Talvez aquilo que está a cheirar tão bem como chocolatinhos fora de prazo seja o facto de ao querido líder da agremiação transduriense não quadrar assim tão bem o epíteto de Papa. Deve ser mesmo isso porque nenhum Papa até agora sentiu necessidade de arrasar a criação de José Régio de cada vez que lhe dão tempo de antena.
Se considerarmos a quantidade de afilhados a quem envia fruta, chocolatinhos, envelopes com dinheiro (deve ser o chamado folar) e conselhos em momentos de turbulência familiar, talvez a melhor designação seja a de padrinho. É sempre uma opção melhor do que Papa, não nos vá cair no colo, além de todos os outros problemas a sério que nos afligem e que, por mero acaso, não constam do comunicado indignado da empresa desportiva do ftólcuporto, um Merah que desate ao tiro em escolas e repartições públicas.

6 comentários:

Vic disse...

M, achei essa questão absolutamente ridícula. Como é que se admite que uma coisa destas se torne num caso nacional? Mas tá tudo maluco, ou quê?

Teté disse...

O que eu me ri com esta história! É a falta de bom senso levado ao rubro. As crianças tinham 4 anos e dizerem que cantar a cantilena com a letra alterada é um acto fascizante só dá para rir.

Já as histórias desse padrinho e dessa vontade de incendiar Lisboa, e sem sombra de dúvida exaltar ânimos bairristas e pacóvios, tem muito menos piada! E ainda menos que ele faça o que faça, se safe sempre com estratagemas legais, que afinal as gravações não podem ser levadas em conta e tal, quando toda a gente soube o que ele fez. Não era de erradicar um fulano assim do futebol para sempre?! :P

Carlos II disse...

Li algures esta história ridícula do tamanho do mundo.
Revelador dos pacóvios adeptos do ftólcuporto.

Moyle disse...

VdeAlmeida,

é sempre refrescante constatar que os portugueses, sobretudo aqueles que influenciam as opiniões de alguns outros, estão bem centrados nas preocupações que os afligem.

Moyle disse...

Teté,

um papa não se escorraça assim, há que esperar que morra. duvido muito que o Imperador da Alemanha venha por aí abaixo por o Papa na linha, como aconteceu noutros séculos :)

Moyle disse...

Carlos II,

nem todos são pacóvios. lamenta-se é que os que não são pacóvios não tenham voz para impedir que esse rótulo seja colado pelos pacóvios sobre eles.