É muito comum ouvir às pessoas a expressão «Dantes é que era bom!». De uma forma ou de outra, esta afirmação tem sido normalmente conotada com espíritos reaccionários [para usar uma linguagem do PREC], conservadores, incapazes de aceitar, pelo menos de bom grado, que as coisas mudam.
Como explicar, então, a permanência desta atitude se Tudo é devir, diz o Moyle citando Heráclito e alardeando a vastidão oceânica da sua cultura clássica? Podemos seguir várias direcções em busca de uma resposta e, para não variar muito em relação ao que é hábito, seguiremos algumas propositadamente escolhidas só para chegarmos à conclusão de que estão erradas e, com isso, exaltar com louvores a radiante sapiência desta vossa luz, que é o Moyle [convém esclarecer este ponto porque podiam entusiasmar-se e achar que a radiância era relativa ao vosso monitor e não ao justo brilho intelectual da pérola da cultura ocidental que escreve este blog]. Mas voltemos ao que interessa.
Poder-se-ia achar que as pessoas mantêm essa atitude saudosista e/ou revivalista por tomarem consciência da inexorabilidade do tempo, recordando-os, embora inconscientemente, de que estão mais perto de serem fertilizante de ciprestes. Por esse motivo, refugiam-se numa mítica “Idade de Ouro”, passada e irrecuperável, para não lidarem com o inevitável facto de não estarem a ficar mais novos. É esta uma argumentação simplória – não vou dizer idiota porque não quero faltar ao respeito a ninguém.
Sendo mais pragmáticos, podemos ver naquela afirmação a dificuldade que as pessoas mais velhas sentem em se adaptar ao presente, à aceleração dos dias, ao progresso tecnológico, à velocidade estonteante que o consumo material deu às modas, tendências, estéticas e comportamentos, que se sucedem caleidoscopicamente. O que estas pessoas temem não é o futuro mas um presente que sentem como instabilidade. Mais uma parvoíce pegada, feita para embrutecer as massas.
Se tentarmos ir mais fundo, ao núcleo da nossa matriz civilizacional, poderíamos enquadrar o «dantes é que era bom» na impressão duradoura deixada pelos relatos genesíacos de Adão e Eva no Eden, deixados por uma estrutura religiosa totalitarista e totalizante, intolerante e manipuladora. Antes do mal, do medo e da dor, ocorridos pela expulsão do casal maravilha da imprensa cor-de-rosa da antiguidade arcaica, é que era bom, ler-se-ia se alinhássemos por estas baboseiras judaico-cristãs. Acreditem que eu sei, é treta.
Se todas estas hipóteses, aparentemente congruentes e empiricamente justificáveis, lógicas e holísticas não explicam a perenidade da afirmação «Dantes é que era bom», que raio de explicação terá? É fácil. As pessoas dizem que «Dantes é que era bom» porque «Dantes é que era bom». Mas era mesmo. Atenção que o advérbio de tempo “dantes”, aqui, não significa os bolorentos que têm saudades de Oliveira Salazar, porque, para esses, o Moyle já tem apresentado algumas soluções com o título de “Saudades de Salazar”. Afilando o raciocínio com a Navalha de Ockham [mais uma vulgar demonstração de erudição, desta vez medievalista], devo lembrar-vos que a maior parte das vezes a resposta mais simples é, precisamente, a única que está certa.
Agora perguntam vocês: - Mas esperas mesmo que nós engulamos essas patranhas sem provas? Não, claro que o Moyle não espera isso. De facto ficaria muito desapontado convosco se não tivessem colocado esta questão, porque sabe que é o modernismo racionalista de matriz cartesiana o substrato da vossa intelectualidade [nesta passagem nota-se perfeitamente a vastidão de conhecimentos em filosofia moderna]. E, deixem que vos seja dito, mostram bastante sensatez nessa vossa atitude de “sem provas nada feito”.
Sabem como é que o Moyle chegou à sua brilhante conclusão? Através da simples observação dos factos puros e duros. O contacto com a realidade revelou-a na sua plenitude e simplicidade. Em vez de andar a ler as opiniões dos coetâneos de eras passadas, que são a realidade mastigada e cuspida em livros, o Moyle viu essa mesma realidade.
Vejam todas a imagens que o Moyle vos traz. Sendo de épocas, locais e civilizações diferentes, ampliou-se a qualidade e a significância da amostra, robustecendo-se, com isso, a profundidade da argumentação apresentada. Todas as múmias apresentadas nestas fotografias estão a rir descaradamente, ostentando largos e impudicos sorrisos de quem está contente com a vida. Como seria isto possível se não vivessem bem e felizes? Esta gente morreu toda a rir, como se vê pela forma como mostram todos os dentes ao mesmo tempo.
Sem prestações, sem poluição, sem Sócrates [aquele da… ai como é se chama aquilo… a… engenharia, dizem], sem sondagens, sem stress, sem insónias nem depressões, sem desemprego e com vinhaça à discrição (sem ser preciso pagar por uma garrafa o que custa uma pipa), com muita natureza ao vivo e a cores. A vida não seria fácil, claro que não, não podemos esquecer que não havia banho quente, tabaco enrolado, nem Sporttv, mas mesmo assim viver-se-ia numa pureza descontraída, sem a tirania do lucro e do crédito. Uma aurea mediocritas hedonista no seu esplendor.
41 comentários:
Texto perfeito. E até foste buscar a navalha de Occam, para cortares o excedente. Muito bem.
Eu por acaso nunca gastei muito tempo a pensar no "dantes é que era bom", mas no "agora é que é". E, finalmente, após várias tentativas falhadas em descobrir o significado desta afirmação, (ninguém nunca me soube responder o que é que é significa) pergunto-te caro Moyle, excelência do verbo e da interpretação, agora é que é o quê?
:)
Bom, ganda texto! Nos dois sentidos, note-se! :)))
O que a malta não sabe é que segue a linha filosófica contrária à de Heráclito, de um ilustre senhor chamado Parménides (os pais de ambos deviam gostar muito dos filhos, para lhes darem nomes tão jeitosos). E não sabe porque filosofia ah e tal e coisa, é difícil... Ainda bem que há sempre um Moyle, para elucidar esta cambada de incultos!
Gostei da frase poética "fertilizante de cipestres", morfologicamente mais aceitável do que "fazer torrão" ou "bater as botas"!
E relembrei esse tal senhor Ockham, mais a sua Lex Parsimonae, mas isso confesso que tive de ir à wiki, que já não ouvia falar dele há 20 e tal anos. A memória é boa, mas não ilimitada...
Quanto aos salazarentos, estamos conversados (a não ser que proponhas novos métodos para os satisfazer).
Já as imagens e respectivas interpretações moylístiscas são literalmente de morrer a rir! :D
Nem sei porque me veio este arrepiozinho da espinha...
há uma canção do Baz Luhrman, que diz o seguinte:
"Accept certain inalienable truths: prices will rise, politicians will
philander, you too will get old, and when you do you’ll fantasize
that when you were young prices were reasonable, politicians were
noble and children respected their elders. Respect your elders."
E depois há aquele ditado português: “atrás de mim virá quem, de mim, bem falará(?)" ou " ...quem de mim melhor fará" qualquer coisa assim...
Com isto perdi-me, mas queeria dizer que é natural as pessoas embelezarem o passado, porque o tempo limpa tudo, dai a naturalidade com que ouvimos e dizemos (também já dei por mim a dizer isso) que antes é que era bom.
eu, supra nomeado como «excelência do verbo e da interpretação», declaro infalível e iniludivelmente que, "agora é que é" significa que "agora é que é... coiso"
:D
Teté,
quando disseste "grande texto" nem me ocorreu o tamanho do mesmo, só a qualidade :D
filosofia é muito chatinho, graças ao Senhor, mas faz muita faltinha a muito boa gentinha que por aí anda sem nada na cabecinha
[esta proliferação de pequenitivos funciona sempre bem :)]
ainda tenho mais uma ou duas propostas para os salazaudosos da "outra senhora", não te preocupes, que eu só quero a felicidade eterna dessa gente :)
espero que esse arrepio não tenha sido muito desagradável porque, já que temos que ir, que seja na galhofa :D
johny,
tem a nítida sensação de já conhecer essas palavras mas não as consigo associar a uma música, o que significa mais meia hora de youtube :)
não dês crédito ao que escrevo, a sério, porque eu não mereço, mas sim já me tinha ocorrido o tempo como Skip Tira Nódoas, sobretudo nódoas de currículo [ou será coincidência que depois de um período de "desaparecimento" o Paulinho das Varinas tenha regressado com dentes mais brancos?] :)
Moyle,
"coiso"? Mas isso é demasiado vago, pá.
Este blogue... dantes é que era, pá, dantes, pá, antes do terramoto, praí em 2006... quando ainda coiso...
ipsis,
questionas a minha sapiência? já para o canto da sala!!
clara,
nem sabes a razão que tens [e vai daí sabes]! devo discordar, no entanto, da data. o ponto alto deste blog foi em 2005. tem sido sempre a perder desde então [mas ainda não bateu no fundo]
Moyle,
mas o que é que eu fiz?
ipsis,
ainda ousas?
a caderneta na minha secretária, minha menina!
a tua mãe tem que tomar conhecimento deste tipo de comportamento!
Sr. Professor Doutor Mestre Moyle,
Decerto poderemos chegar a um acordo sem necessidade de cadernetas e cantos da sala... sim?
Hummmmm,
e o que sugere a menina, então?
Moyle,
(glup - não esperava ter passado incólume na parte do tentar corromper-te...)
um aperto de mãos e um "não voltes a ser impertinente" dirigido a mim? :) (e um halo sobre o smile)
ipsis,
e não passaste incólume, apenas não foi visto como tentativa de me corromper. desta vez, contra as minhas posições pessoais na matéria, decidi valorizar a boa fé humana.
Vá lá. E nada de impertinências!
o halo fica em standby
Moyle,
:)
nada de impertinências.
é justo.
ipsis,
ainda bem que estamos esclarecidos. qual era a dúvida mesmo?
[agora que já marquei a minha posição de quem manda nesta sala de aula]
Moyle,
já não tenho dúvidas... juro! agora é que coiso! vê?! já sei :)
cof cof... o raio do pó do giz.
ipsis,
boa! já leva uns pontinhos por atenção e participação oportuna na aula :D
já encomendei um quadro hiperactivo :)
Moyle,
:] (sorriso rasgado de orgulho)
hiperactivo? ahh, claro... hiperactivo... :D
ipsis,
AHAHAHAHAHAH
digo hiperactivo porque nas minhas mãos ele faria o que quisesse e não o que eu mandasse :) mas não sou um tecnoexcluído, a tecnologia é que acho que não gosta muito de mim :)
Moyle,
:)
mas isso não será um quadro impertinente também, ainda que, stôr repare bem, ainda que hiperactivo? :P
ipsis,
não diria impertinente. é mais um livre pensador, um espírito desprendido que vagueia ao sabor de qualquer coisa que não tem sabor, tipo ondas, ou vento, ou assim...
AHAHAHA
encarnas bem o papel
Moyle,
ahh, livre pensador é mais poético. é verdade... (e ali atrás devia ter-me saído com essa. talvez amolecesse alguns ossos :)
Já chega não é? tu pára-me quando quiseres.
ipsis,
mas quem sou eu para te coarctar a liberdade criativa?
já agora, era uma escola pública ou privada?
Moyle,
és o dono do estaminé. (eu sei que podia não ter respondido, mas enfim. :)
tu é que serias o professor. diz-me tu.
ipsis,
EU FIZ UMA PERGUNTA E EXIJO QUE... 'tou a gozar, já chega realmente :D
AHAHAHAHAH
não é muito importante realmente. a questão é só saber se tenho que esperar muito pelo quadro, sendo escola pública, ou se as alunas andam de uniforme, sendo privada :P
Moyle,
AHAHAHAHAHA!
AHAHAHAHAHAHA... de uniforme, claro, digo privada, pois. AHAHAHAH
ipsis,
restecp
:D
Moyle,
2 words for you: keep it real! :D
ipsis,
ahahahaha
wicked :D
Moyle,
booyaka! :D
e até amanhã ali g man... (fraquita)
:)
ipsis,
it's because i is black, i'n it?
ipsis,
até amanhã :D podia ser pior :D
Moyle,
AHAHAHHAHA. não é mesmo because i is sleepy. :)
fui
Conselho para utilização de motores de pesquisa, na vertente "canções": Melhor do que procurares durante meia-hora no youtube, é melhor pores o bocadinho da letra no google com a palavra lyrics... chegas lá mais rápido.
hummm gostei mesmo deste teu texto :)
johnny,
estragas-me com mimos :)
Miguel,
Nice :)
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